O pai chega à loja sob garoa. Para ir direto ao canto dos guarda-chuvas, questiona a vendedora onde ficam. Passa maquinalmente pelos produtos ofertados (sem oferta) nas gôndolas. No entanto, ainda que não queira, passa por eles lembrando vagamente da sensação de fazê-lo calmamente com sua mãe, a qual adorava apreciar tais produtos para casa; lembrando como ele próprio gostava de estar com ela e viver este fetiche americano dos anos 60, ingênua fantasia de possuir certos embelezamentos em casa; como não pode, compra o mais barato e a casa fica sempre diferente do que se deseja… Sim, é verdade, ele veio comprar um guarda-chuva.
Chegando ao balaio em que estão, o pai, que já comprou tantos guarda-chuvas na vida, intenta ser objetivo: sem se preocupar com estética – indiferença inconscientemente atrelada à maquinalidade com que ignorara as gôndolas – olha apenas os preços e as estruturas das mercadorias. “Ele vai quebrar, não importa qual eu compre; cedo ou tarde”, ele profetiza, com fé inabalável. Tenta escolher o “menos pior” e leva-o ao caixa, do outro lado da loja. Paga por ele, agradece o atendimento e sai do estabelecimento.
Ao abri-lo sob a chuva, o pai logo sente a sua escolha: a leveza do produto não o deixa de preocupá-lo levemente, ainda que o tente ignorar; o guarda-chuva balança em sua mão diante da brisa já intensa. Teria o dinheiro sido mal aplicado? Ele duraria apenas alguns minutos, caso um vento intenso entrasse na história – isso era certo. No entanto, ele se resignou: “certos produtos são serviços de prazo indeterminado”; pena que deixem resíduos extravagantemente inconvenientes. “A resiliência é uma forma de enfrentar a frustração, mas ela só vem torcendo varetas ao vento…”, sentira, assim sem pensar muito, como uma conclusão instintiva do balanço do guarda-chuva sob a brisa.
Consciente do fracasso certo, a fragilidade do guarda-chuva até o tranquiliza, porque lhe é familiar. Afinal, sempre comprou guarda-chuvas que, se não roubado ou perdido, quebraram irreparavelmente. Mas esse pessimismo lhe provoca coceira, perturbando a sola do cérebro: “é só um guarda-chuva ou esse sou eu, agora?” ele questiona, desconhecendo a própria sombra diante de tamanha indiferença.
Não, não era ele.
Semanas depois, o guarda-chuva lhe seria quebrado pelos filhos pequenos enquanto brincavam, e isso o irritou. Enfim, quem diria: outro fenômeno natural – a curiosidade infantil – termina aquela tal “prestação de serviço”, apesar de “prazo indeterminado” significar, logicamente, desde 1 min, logo após sair da loja, 30 anos, num temporal histórico, ou 2 semanas, após ventos provocados por ondas de euforia infantil. “Teria eu razão de ficar irritado se fosse o vento?”, ele se questiona. “Seria perigosamente indiferente não me irritar por ter sido meus pequenos?”.
E eis que julga a indiferença como o mal de que sofre o resiliente – mas logo isso se lhe revela como estupidez. Afinal, não seria ele um ingênuo, na verdade, estando imerso em suas fantasias de como guarda-chuvas e crianças devem ser?
Nesse impasse, balançava-se-lhe agora, não um guarda-chuva nas mãos diante do vento, mas, um par de bijuteria barata nas orelhas da alma, que lhe comichava a carne: a dúvida se o desejo de guarda-chuvas mais resistentes, ainda que mais caros, seria tolice ou sabedoria… Sendo mais claro: progrediria a sociedade apenas sob a insatisfação com o estado das coisas, ou progrediria ela apesar de qualquer incômodo com esse estado?
Quem diria – comprando um guarda-chuva, terminou com um par de brincos – e como lhe comicham…