A pequena, habituada ao seu pátio, estava mergulhada em seus pensamentos; maquinalmente manipulava as diversas tralhas ao seu redor. Apesar da melancolia escondida, sorria; ignorava as formigas que se lhe passavam eventualmente por sobre o tornozelo e os mosquitos que lhe viam picar os braços.
O verão lhe animava e, ao mesmo tempo, lhe desagradava; o sol sempre lhe foi sinal de vigor e ânimo, mas o calor que fazia dentro do pátio era sufocante, tão desgraçado quanto a prisão decretada por dias tempestuosos ou quanto os muros meramente chapiscados que a cercavam desde sempre.
Ela solta seus brinquedos e caminha até o muro, sentindo-lhe o mormaço e seu cinza em sua pele; sente, sobretudo, a aspereza dos chapiscos em seus nervos, sob as memórias das vezes que se lhe fez arder as mãos ou os ombros quando nele trombava durante um pega-pega com o irmão; curioso esse tato provocado pelos olhos duma dor ausente…
“Que foi isso?”, ela de repente e imediatamente sente – sem perguntar, de fato – reagindo ao som que se lhe chega por trás do muro. Olha acima e aos lados e lhe vem o lampejo, a ideia-desejo de subi-lo e sabê-lo; o nojo dos chapiscos, do que lhe podem infligir, lhe contém prévia e continuamente a escalada.
Cai: a dor no traseiro (sentara sobre um dos brinquedos), o sabor azedo nas palmas esfoladas e o sabor amargo da derrota lhe irritam. Tenta de novo, consciente e determinada, mas também amargurada com este inanimado ambiente que protege e fere a quem se lhe quer desvencilhar.
O som persiste, mas não em sua mente, enquanto insiste em vencer o muro e seus chapiscos: a obstinação e a vontade lhe ensurdecem e cegam, nesse afã que é o desejo mesmo em si; sobe, por fim, e vê – apenas para cair novamente, no entanto.
O que viu lhe comoveu; esfolada e dolorida, contemplava a fantasia do que vira e, envolta na fábula de sua interpretação, conversou com seus amigos imaginários se deveria contar aos pais. Se esforçou para lembrar das recomendações deles para situações assim; nada lhe ocorria.
Confusa, sobe novamente com um dos brinquedos preso aos dentes; no topo, solta-o. Satisfeita, desce e volta a se entreter com sua profissão; “bigado!” se ouve doutro lado – e essa voz, macia e sincera, lhe tem gosto de iogurte – de morango, claro.