O rei Dunning está nu, mas mui amam-lhe as vestes:
Admiram-lhe os bordados,
‘Té copiam-lhe os frisados,
Tal-e-qual os cinturões,
Mui comentam-lhe os botões;
Faz-se fila p’ra que o veja,
Muito embora, nu esteja.
O rei Kruger em bolha mora, mas adoram-lhe o palácio:
Elogiam-lhe os rebocos,
Belos pilares barrocos;
No bom gosto das pinturas
Demonstra clara cultura;
Surreal que assim cative,
Pois em mera bolha vive.
O rei Dunning é verboso, mas veneram-lhe o discurso:
Prezam-lhe a articulação e
Como fala ao coração…
Se aprazem em sua prudência,
Mui estimam-lhe a ciência
E sua prédica macia,
‘Inda que seja vazia.
O rei Kruger é devasso, mas louvam-lhe as virtudes:
A coerência de seus atos
Exibe “esprito” sensato;
A pureza de seu dia
Revela o quanto vigia,
Mas a mágoa vem abrupta
Quando verem quão corrupto…
O rei Dunning está vendado, mas confiam-lhe o timão:
E o navio vai rumo ao norte
Contando com tenra sorte,
Contra o vento ou a favor,
Se prossegue sem pavor,
Pois seu povo muito o almeja,
Muito embora, nada veja.
O rei Kruger está morto, mas conservam-no no trono:
E o palácio todo fede,
Mesmo o teto todo cede;
E as colunas a ruir
Não impedem o ir-e-vir –
Pois a fábula é sagrada:
Não há cova a ser cavada…
Uma crítica à sociedade, dum caráter tão antigo quanto a própria civilização, sobre a idolatria de figuras e culturas toscas que, ao idolatrarem-nas, exaltam a própria ignorância numa roda-viva lamentável e perigosa. Tentei escrever em redondilhas maiores, exceto, claro, os primeiros versos de cada estrofe, apesar de terem entre si a similaridade na estrutura.
A imagem ilustrativa é a fotogradia "cego guiando outro cego", de Lee Mclaughlin.